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Jia Zhangke, estrela emergent do cinema chinês

Page history last edited by PBworks 15 years, 10 months ago

 

Jia Zhangke, estrela emergente do cinema chinês

 

Engana-se quem pensa que o fascínio que a China exerce hoje sobre boa parte do planeta deriva de sua riquíssima cultura milenar ou de seu crescimento econômico. Quem consegue ver a China além da possibilidade de fazer dinheiro que um país neo-capitalista oferece vai enxergar — com ainda mais curiosidade — um lugar de perplexidade e inquietação. Poucos lugares exibem com tanta clareza, ironia e certa amargura o impacto da globalização e da ânsia de enriquecimento na vida de pessoas comuns, especialmente num local onde, apesar do crescimento, milhões jamais viram um computador na vida.

Nenhum outro cineasta chinês da nova geração, por sua vez, consegue captar a China por este ângulo com tanta fidelidade quanto o diretor Jia Zhangke, 37 anos, considera-do hoje o expoente da chamada "Sexta Geração" do cinema chinês, e autor de filmes independentes e autorais como "Plataform" (2000), "Unknown Pleasures" (2002), "The World"(2004), "Still Life"(2006) e o recente "24 City", com o qual concorreu no Festival de Cannes e que foi rodado na província de Sichuan, a mesma onde ocorreu o recente terremoto que matou quase 70 mil pessoas.

Jia Zhangke conversou com O GLOBO em seu escritório decorado com pôsteres de seus filmes nas paredes e uma estante repleta de prêmios (o Leão de Ouro que "Still Life" recebeu em Veneza em 2006 está lá). Bebendo compulsivamente um xícara de chá verde, ele explica que a natureza da China hoje e a maneira como o país acaba sendo descrito em seu trabalho talvez expliquem o sucesso dos seus filmes no exterior e entre a elite cinematográfica chinesa (somente "The World", em 2004, ganhou aprovação do governo chinês para financiamento e exibição no país).

— Eu conto histórias de pessoas — diz ele. — São as histórias pessoais e as minhas memórias, como a infância durante a Revolução Cultural e a juventude na abertura econômica, que me inspiram. A Revolução Cultural foi uma desastre que minou até o caráter dos chineses, acabando com a confiança que tinham em si e nos outros. Hoje, a abertura econômica deixa isto ainda mais claro, mas acho que tudo é uma questão de gosto. Provalvelmente, os jovens chineses, mais influenciados por Hollywood, devem achar meus filmes chatos e autorais.

A produção mais recente de Jia, "24 City", segue bem o estilo do diretor. O filme conta a história dos empregados de uma fábrica de peça aeronáuticas, a Fábrica 420, do furor desenvolvimentista estatal dos anos 50 até a sua desativação e implosão, hoje, para dar lugar a um condomínio de ricaços emergentes em Chengdu, capital da província de Sichuan, no Centro do país. Nada mais emblemático das mudanças pelas quais passa a China hoje. 

Por vezes, o filme se assemelha a um documentário, mais ou menos como "Still Life", que conta a história de um vilarejo que submerge sob as águas da barragem da hidrelétrica de Três Gargantas. E traz o mesmo amargor de "The World", uma fábula sobre um casal que trabalha num parque temático que reproduz em menor escala, em Pequim, os grandes monumentos ao redor do mundo. O slogan do parque, "Conheça o mundo sem sair de Pequim", é o fio condutor de histórias pessoas de gente que nunca saiu de suas cidades e cujos poucos momentos de felicidade se resumem a uma noite de karaokê.

—  Meus filmes têm um componente de ficção, mas com um pé na realidade e no contexto político. Ainda assim, meu objetivo é contar uma história. Se o país está sendo visto através dela, tanto melhor. Eu controlo todo o processo criativo dos meus filmes, escolhendo histórias e atores, escrevendo roteiros, então posso dizer que meus filmes são minha opinião, minhas dores, meus pensamentos — diz o diretor.

Quando Jia Zhangke era ainda um recém formado da Academia de Cinema de Pequim, no fim da década de 90, seus pensamentos não chegaram a agradar muito ao governo chinês, que baniu seus três primeiros longas: "Xiao Wu", "Plataform" (as memórias sobre a Revolução Cultural) e "Unkown pleasures". Para ele, isso explica em parte porque seu trabalho é mais conhecido do público estrangeiro do que dos próprios chineses. Mas a questão da censura, destaca, está melhorando, ao menos no cinema da China.

— Sinto que há mais abertura entre os censores para temas mais polêmicos, mas penso que os cineastas podem trabalhar melhor as histórias de modo a falar sem falar, entende? De toda a forma, a censura é uma maneira terrível de negar o passado ou os erros. E um povo não aprende nada quando decide simplesmente apagar o passado ou ignorar seus erros — afirma.

Confessadamente fã do diretor italiano Vittorio de Sicca, do japonês Yasujiro Ozu e dos diretores chineses  Wang Xiaoshuai e Lou Ye (outros expoentes da "Sexta Geração", autores de "Beijing Bicycle" e "Summer Palace"", respectivamente), Jia Zhangke não gosta da forma como os acadêmicos chineses descrevem os cineastas do país, na base da geração, como fazem com as lideranças do Partido Comunista da China.

Segundo ele, cada um tem um estilo próprio e muitos podem ter apenas uma coisa em comum enquanto diferem em todo o resto ao longo de suas carreiras.

Na "Quinta Geração" de cinema, por exemplo, a que revelou a nova China ao mundo após a abertura econômica através de nomes como Zhang Yimou, Chen Kaige ou  Huang Jianxin, os estilos variam do histórico ao humor negro passando pelo esotérico, argumenta.

— Eu não me sinto parte de uma geração — diz.

Talvez por essa razão o mais novo projeto de Jia Zhangke tenha recebido tantas críticas sem ter sequer saído do papel. O diretor pretende filmar "Age of Tattoo", baseado num conto do escritor Su Tong, uma história de gângsters que se passa em plena Revolução Cultural. O trabalho é mais criticado menos pelo seu conteúdo e mais pelo fato de que, para estrelá-lo, Jia Zhangke convidou o cantor pop Jay Chou, uma megacelebridade no país. No terreno sem lei da internet, vem sendo acusado (como seus antecessores Zhang Yimou e Cheng Kiage, aliás) de "ter se rendido ao apelo comercial". O diretor não se abala:

— A elite cinematográfica chinesa acha que tudo que é comercial é necessariamente ruim e tudo que é artístico é bom. Eu já vi filmes artísticos e comerciais bons e ruins. O fato é que os diretores mudam, seus projetos ficam diferentes com o tempo e tenho a impressão que muitos querem os diretores congelados no tempo. Não posso ser somente o que se espera de mim.

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